segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

O Beberrão

O vento fresco daquela tarde bailava estonteantes as folhas das arvores, ali plantadas simetricamente como se fosse uma cerca. Na varanda o silencio absoluto, quebrado apenas pelo zumbido de uma mosca, que tentava insistentemente pousar na boca de Jackie BB, só não conseguindo o seu intento, devido sua barba espessa e o bigode farto, que se retorciam vez por outra. Jackie BB, assim era chamado Lindolfo pelos amigos do bar, BB não de big brother, mas de bebe babão. Apelido lhe dado, pois toda a vez que se embriagava ele babava. Jackie, não o extirpador mercenário de Londres, mas Jackie o extirpador de bebidas, pois sempre que podia sorrateiramente surrupiava as bebidas vizinhas ao seu copo, servidas no balcão. A sua necessidade de beber era premente. Cabe aqui um fato. Em uma daquelas tardes de sempre, bebendo no bar, Jackie pediu ao botequeiro um copo de água e rapidamente o trocou com o copo de pinga vizinho, sorvendo em um só gole aquele liquido precioso. Minutos depois o dono da mesma, virou-se para degustá-la, e também num só gole ingeriu o conteúdo, entornando de imediato uma chuveirada de água pela boca, aos brados de xingamento a quem lhe havia aprontado aquela. Sob as gargalhadas esfuziantes dos presentes, Jackie, em um riso quase que sussurrado, encolheu-se no canto do bar, como que a esconder sua criancice. Ele era um brincalhão. Mas agora ali estava, despojado no alpendre, como se fora um amontoado de trapos, depois de uma brava bebedeira, o que fazia todas as tardes. Estava ele passando por uma fase um tanto difícil. Havia perdido o emprego, mas como ele mesmo dizia; emprego e como trem, perde-se um outro vem! E justificava que após anos de trabalho, eram merecidas as férias por assim dizer, apesar de forçadas. Aproximei-me devagar, não queria importuná-lo, e ouvindo o tilintar de talheres, dirigi-me aos fundos do bangalô, (é assim que chamam as casas lá no sul) e deparei-me com sua mulher nos afazeres domésticos pos almoço. ___Boas tarde, comadre. ___Boas, compadre ___Então, como estás, tudo bem? Vi que o compadre, índio velho, esta borracha novamente, nem quis acordá-lo, passei direto pela varanda. ___É, compadre, o homem desembestou a beber de uns dias para cá, e não há quem o segure, já não sei mais que fazer, tenho medo que morra a qualquer hora. ___Pois é, comadre, dizem que a bebida mata lentamente. ___Estou cansada de lhe dizer. E sabe o que ele me responde debochadamente? “Não se preocupe prenda minha também não tenho pressa de morrer.” ___E aí que faço eu agora? ___Bem, comadre, quando a preocupação bate a porta, precisa pedir socorro, verei o que posso fazer. Retornei lentamente ao alpendre, e pensativo relanceei os olhos, naquele amontoado de trapo e recordei. Jackie era um homem de princípios éticos e morais, fino trato e até vaidoso, seu nome Lindolfo Moura Motta Barbosa, era honrado nas cercanias daquela região, o que o levaria a tão vil situação de estar despojado ao chão. Lembro-me de ouvi-lo falar, não uma, mas muitas vezes, com sua voz embevecida mais firme, bebida não da casaca pra ninguém, pelo contrario destrói mais alguém. Abominava de tal maneira o destilado, que jamais imaginei vê-lo daquela maneira. Os surtos de meus pensamentos foram-me roubados pelo gemido e remelexo daquele, antes esbelto e aprumado corpo, agora gordo e desleixado ali no chão deitado. Com os olhos vermelhos e as pálpebras semi serrada, olhou-me de esgueiro como que desconfiado da minha presença, com a voz enrolada pela embriaguez, pronunciou algo ininteligível. E tentando pôr-se sentando, meio em desequilíbrio, aquele ócio pesado. Disse com ar de espanto: ___Caramba! Não é que vejo em minha frente meu compadre Dante, a que devo honrada presença. Atinado pelos pensamentos recentes, mal pude responder. ­­­___Apenas, uma visita. E recompondo-me de penalidades, continuei. ___Eu estava de passagem, e vendo o índio velho, aí deitado, pensei que estive passando mal e me acheguei para uma ajuda, mas vejo que tu estás bem. ___Bem? Que nada compadre, bem esta o burro que em dia de chuva não puxa a carroça. Eu na verdade estou de mal a pior. Nem sei por que lhe digo isso. Mas se achegue cá pra dentro, vamos tomar um trago. ___Obrigado compadre. Desta que tu bebe eu já estou batizado, não uso nem pra curar dor de dente. Por causa dela já quebrei cerca, rasguei calças e fazei valeta, não quero ser peixe em meio a terra. ___Bem, aí te digo mais vale um borracho amigo, do que um guapo frouxo. Não te peleis e se adentre, vou pedir pra Maroca fazer um mate, e tu me acompanhas. Passamos as ultimas horas da tarde em bate papo fervoroso, entre uma e outra regateada de mate, eu frisava em lembrança, bons tempos de vizinhança. Mas a cruel realidade em gravura viva se apresentava, exacerbando a impotência diante do socorro pedido. Por contingência do trabalho, passei alguns anos fora da região, deixando de të-los em contato. E ao retornar, qual não foram tamanha surpresa e espanto, ao saber que Jackie BB por conta de suas bebedeiras, havia contraído doença gravíssima, vindo a falecer. Sua mulher em detrimento de sua doença, tudo tinha vendido na esperança de salva-lo, estando hoje a viver de favores em casa de parentes. Essa impotência faminta cala a expressão dos sentimentos, e sem palavras recolho-me só em pensamentos e ouço sua voz. “Bebida não da casaca a ninguém, pelo contrario destrói mais alguém”. Fim

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