segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Um intruso na Praça

Poderia ter sido um dia como qualquer outro, mas não o foi. Como todas as manhãs, costumava atravessar a Praça Messiânica em direção ao trabalho. Observando curiosamente as pessoas que por ali passavam. Sempre um ir e vir frenético, algumas apressadas outras a caminhar lentamente, as mulheres em geral a olhar as vitrines das lojas que ladeavam a praça, as crianças em algazarra a brincar no parque. Por um motivo qualquer ou razão indefinida, nesse dia vi apenas um homem, trajava uma longa capa marrom, e parado estava junto à lixeira da praça. Dirigi-me apressado para o escritório. O elevador como quase sempre naquele dia estava quebrado. Subi três lances de escada. À porta do escritório, ainda ofegante, apanhei a correspondência que ali se encontrava e entrei. Olhei uma a uma as correspondências, nada havendo de interessante joguei-as sobre a escrivaninha, já entupetada de papéis, afrouxei o no da gravata dirigindo-me ao bebedouro próximo a janela. Servindo-me de um copo com água, relanceei os olhos pela vidraça embaçada pela nevoa da manhã. E novamente vi aquele homem lá em baixo em mesma postura. Não saberia explicar o porquê, mas intrigou-me aquele cidadão ali parado. Por um longo período fiquei a observá-lo Imóvel impassivo, vez ou outra o vento fazia bailar sua capa como ondas em repetida sincronia. Nem um movimento ali permanecia ele. Meus pensamentos iam e vinham intrigados com aquela inusitada situação, como se um intruso houvesse invadido minha privacidade. Quem será ele? O que estará planejando? Ondas de assalto, estupros, seqüestro noticiados diariamente, me conduziam à conclusão de que aquele cidadão seria um olheiro? Estaria ele de campana planejando alguma coisa? Estaria ele acobertando ou vigiando possível roubo ou seqüestro nas imediações? Providencias deveriam ser tomadas. O que fazer? Seria o caso de a policia ser comunicada? Mas e provas... Talvez devesse ir até lá? E... Dizer o que? Não, não acho que estou sendo tolo e precipitado.
A voz suave da Srta. Adriana, minha secretária, que dizia: ______Bom dia Dr. Célio, deseja iniciar por qual processo hoje? Retrocedeu o meu ser para o real. Já refeito do cansaço ministrado pelos lances da escadaria, ajeitei cuidadosamente o nó da gravata e ponderei. ______ Poderíamos começar pelo processo do Sr. Melquiades Azevedo. A cada manhã repassávamos os processos em andamentos, antes do embate cruel nas salas de audiências. Sr. Melquiades, processo de longa data que tratava da desapropriação de suas terras, legitimamente adquiridas, e que o estado por sua vez as queria para a construção de nova hidroelétrica. Iniciamos o trabalho, estudando e revisando lauda por lauda. E a cada folha analisada, eu na minha incontinente desconfiança aproximava-me da janela, para ver ali estático aquela criatura a importunar-me. Na minha cabeça fervilhavam os pensamentos. O que poderia estar acontecendo? Foi uma longa e eterna manhã, de poucos processos analisados e muita janela sondada. Ao som das doze badaladas busquei pela minha refeição mais substancial do dia, almoçava invariavelmente quase todos os dias, no restaurante ao largo daquela mesma praça á exceção dos dias em que almoçava com clientes. Não mais podendo recuar os ponteiros do tempo, que a cada segundo engoliam freneticamente o dia. Providenciei para que as audiências daquela tarde fossem postergadas. Dando-me ao inusitado luxo de um passeio pela orla frontal àquela praça. Uma avenida arborizada em pista dupla com uma floreira central a separá-la. Passos vacilante, caminhada indecisa. Amiúde meus pensamentos flagravam aquele homem parado. Concatenando idéias de desconfiança e ao mesmo tempo excluindo-me de qualquer responsabilidade, afinal o que eu tenho haver com isso. Fui conjeturando supostos acontecimentos futuros. Assim por um período considerável, andei só eu e meus pensamentos. De repente um estrondo uma colisão à frente. Submergi então do meu estado letárgico tal qual um submarino que vem á tona. E aí percebi o quando já havia me distanciado. Sem nenhum paliativo, restara-me retornar ao ponto de origem, a praça. Agora sim passos firmes e cadenciados. Uma decisão tomada. Vou ter com o sujeito. Decidido a inquirir o individuo que havia me roubado a normalidade daquele dia. Lá estava eu, já avançava quase o meio da praça, quando percebi movimentação estranha junto á lixeira. Não uma, mas varias pessoas ali estavam. Fui me aproximando lentamente. Crendo que o pior havia acontecido. Os que ali se encontravam gesticulavam, ora se agachavam, pareciam tirar ou depositar alguma coisa aos pés daquele homem com sua longa capa marrom imponente ao lado da lixeira.
Parei por um instante, tentando divisar o que estava realmente acontecendo. Mas um vaso de corbelhas encobria-me a visão. E quem estava ali agora estático, imóvel e indeciso era eu. Minhas mãos umedeceram o suor descia pelo meu rosto como se eu estivesse derretendo. Meu coração palpitava acelerado e a curiosidade fazia fervilhar o meu estomago como um efervescente num copo d’aguá. Afrouxei o nó da gravata, inspirei profundamente e me pus em marcha. Sem vacilar parei bem a sua frente. Olhei-o de cima abaixo, aquele corpo modular de aproximadamente 180 m de altura. Não apresentando expressividade vital alguma. E sem nenhum constrangimento, não contive a explosão de gargalhada, ao ler abaixo de seus pés a seguinte frase: Não seja um manequim de vitrine, que não sente frio ou calor. Doe um pouco de amor. Campanha fraternal do agasalho.
Colabore!

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